verdades
O interfone toca: oi, sou eu. A porta abre. A moça sobe as escadas. Ele a recebe com surpresa: resolveu passar aqui? Ela: saudade. Ele a coloca sentada no sofá e pergunta se quer beber alguma coisa. Cerveja, ela diz. Ele vai até a cozinha e volta com os copos cheios e a cabeça transbordando. Ela bebe e observa: tá estranho. Fareja o ambiente como cadela, dá um gole desgostoso. Ele vai até o quarto e fecha a porta. Ela ouve barulhos estranhos: que tá fazendo? Ele diz que nada. Ela ouve o deslizar de tecidos no ar e perde o seu. Agora ouve o próprio coração bombando as artérias. Um terremoto dentro de si. Volta a sentar no sofá, toma a cerveja e fica muda de boca aberta. Ele volta. Ela diz que vai ao banheiro e espia o quarto: cama arrumada com lençóis limpos. Por que você trocou os lençóis agora?, pergunta. Pra você, ele diz. Ah. Uma batida descompassada em seu peito rompe o silêncio. As mãos dela suam, a cabeça dele esvazia.
Cinco anos se passam. O celular dela toca: oi, chegou? Sentam-se à mesa e pedem entrada. Suco de abacaxi e coca-cola. Ela, penne, ele fusilli. Os dois sorriem. Ela conta que transou com uma mulher. Conta que tirou fotos nuas. Ele reage com excitação nervosa. Tá com ciúmes!, ela diz. Nada, não sinto ciúmes. Claro. Mas conta, ela fala, já transou com duas mulheres? Ele: ao mesmo tempo, não. Ela: como assim? Ele: fiz coisas que você nem imagina... Ela: então já transou com duas no mesmo dia, assim, na seqüência... Ele: é. Ela: e uma delas era eu. Ele: pára com isso! Não vamos falar dessas... Ela: Então ela saiu e eu cheguei? Ele: mais ou menos... foi coisa de filme, de novela. Ela: ela se escondeu quando cheguei? Tipo no armário? Ele: não, pára Ela: não, agora quero saber... fala! Ele: ela saiu pela porta da cozinha. As lágrimas dela caem no penne. Ele sorri solidário, já faz tempo, não importa. Ela: transei com seu melhor amigo. Ele pede a conta, ela paga. Não tem sol, mas faz um calor infernal.