29.11.07

verdades

O interfone toca: oi, sou eu. A porta abre. A moça sobe as escadas. Ele a recebe com surpresa: resolveu passar aqui? Ela: saudade. Ele a coloca sentada no sofá e pergunta se quer beber alguma coisa. Cerveja, ela diz. Ele vai até a cozinha e volta com os copos cheios e a cabeça transbordando. Ela bebe e observa: tá estranho. Fareja o ambiente como cadela, dá um gole desgostoso. Ele vai até o quarto e fecha a porta. Ela ouve barulhos estranhos: que tá fazendo? Ele diz que nada. Ela ouve o deslizar de tecidos no ar e perde o seu. Agora ouve o próprio coração bombando as artérias. Um terremoto dentro de si. Volta a sentar no sofá, toma a cerveja e fica muda de boca aberta. Ele volta. Ela diz que vai ao banheiro e espia o quarto: cama arrumada com lençóis limpos. Por que você trocou os lençóis agora?, pergunta. Pra você, ele diz. Ah. Uma batida descompassada em seu peito rompe o silêncio. As mãos dela suam, a cabeça dele esvazia.
Cinco anos se passam. O celular dela toca: oi, chegou? Sentam-se à mesa e pedem entrada. Suco de abacaxi e coca-cola. Ela, penne, ele fusilli. Os dois sorriem. Ela conta que transou com uma mulher. Conta que tirou fotos nuas. Ele reage com excitação nervosa. Tá com ciúmes!, ela diz. Nada, não sinto ciúmes. Claro. Mas conta, ela fala, já transou com duas mulheres? Ele: ao mesmo tempo, não. Ela: como assim? Ele: fiz coisas que você nem imagina... Ela: então já transou com duas no mesmo dia, assim, na seqüência... Ele: é. Ela: e uma delas era eu. Ele: pára com isso! Não vamos falar dessas... Ela: Então ela saiu e eu cheguei? Ele: mais ou menos... foi coisa de filme, de novela. Ela: ela se escondeu quando cheguei? Tipo no armário? Ele: não, pára Ela: não, agora quero saber... fala! Ele: ela saiu pela porta da cozinha. As lágrimas dela caem no penne. Ele sorri solidário, já faz tempo, não importa. Ela: transei com seu melhor amigo. Ele pede a conta, ela paga. Não tem sol, mas faz um calor infernal.

19.11.07

a menina e o vento



















E tanto tempo que não sei dessa doçura. Há tanto que não tão suave, que as palavras exalam da boca como perfume. E um cheiro tão bom, eu disse. Um suspiro, tudo ar, voar no vento, mergulhar num sussuro e sonhar com a chuva. Eu inflada e colorida, feito bola de sabão.
Lembro um livro que li na infância, A menina e o vento. O vento a envolve e a leva, a convida a ser brisa do mar. A menina diz: "a gente acostuma tanto a ser gente que não quer deixar de ser".
E eu, que tinha me esquecido o quanto é bom ventarolar, sim, quero ser brisa do mar.

1.11.07

nua

estava nua e exposta. minha cara de gozo. tudo ali pra quem tivesse uma senha. e todas as palavras, as histórias, noites, beijos, vacilos. exposta. pra quem quiser ver. basta digitar no google. pra ver mais, arrume uma senha. pronto.
o incômodo durou uma tarde. o por quê teve resposta no banho, quase escuro, água quente, diluídas as dúvidas. que artista não ficou em carne viva, à espera da fome alheia, pronta pra lhe devorar e saciar a ânsia, lhe preencher o vazio. qual nudez não foi castigada. que frase não foi culpada por surto ciumento do meio da madrugada. todo artista é um puto, vende sua intimidade e sua loucura, pra alimentar pobres almas, ávidas por um consolo, um alento, uma explosão, uma razão. revire a alma do avesso e tinja com um tanto de cor, lance luz indireta, descreva com frases absurdas. expor é transpor. antes ir do que ficar. quer mais? decifre a senha e venha.