31.3.08

perversa






















Eu era a gostosa, era popular. No ginásio, no colégio, na faculdade. Lembro da primeira vez que tive noção do meu sex appeal de maneira mais explícita. Acho que estava na quarta série.
No meu aniversário fiquei aterrorizada, como todo mundo ficava, com a iminência de uma “ovada”. Não sei de onde tiraram essa idéia de nos castigar por ficarmos mais velhos. É como se fosse uma punição pelo fato de se aproximar o tempo de nos tornarmos uns adultos babacas. Enfim. Sabia que seria difícil escapar, eles iam me pegar na saída.
Não deu outra. Ovo podre, farinha, gritaria, todo mundo rindo da minha cara, eu já pensando em como ia tirar aquele fedô dos meus longos cabelos. No desespero, voltei pra escola pra tirar o excesso na torneira. Inocente, nem notei que minha camiseta branca tinha molhado e deixado meus peitinhos juvenis, que apenas despontavam em dois pequenos bicos inflados, à mostra. Enquanto pegava o caminho de casa, a notícia se espalhava: “a Erica tá com a blusa transparente! Vamos ver os peitos dela!”. E talvez por isso eu tenha quase abandonado o sutiã desde sempre, uma espécie de provocação permanente e assumida. Virei o jogo, não era mais pega desprevinida. Agora eles teriam que conviver com isso e ainda disfarçar, porque eu era muito invocada. Gostava de arrumar treta com os meninos.
Na quinta série travei uma guerra com Sergio, um aluno repetente, uns dois anos mais velho, sério candidato a deliquente. Era folgado, o malaco. Eu, idem. Um dia discutimos na classe por motivo qualquer. Munida da minha enorme petulância e protegida pelo meu gênero (e a lenda de que homem não bate em mulher), tasquei um belo tapa na cara dele, cheia de razão. Só que, pra minha total indignação, o revide veio rápido e certeiro, sem dó. Não falei mais com ele. E também nunca mais o esqueci - por causa do tapa, mas também pelo apelido mais esdrúxulo que já ganhei de alguém. Primeiro ele só comentava entre os amigos, depois escancarou, pra me irritar, até em bilhetes que deixava embaixo da minha carteira: “presunto gostoso!”. Isso mesmo. Que posso dizer? No fim a gente se estapeou ao invés de se beijar.
***

No colégio um novo apelido surgiu de outra tensão sexual, dessa vez consumada, com Porto. Ele era modelo, dos bons, e junto com minha amiga Fernanda, formávamos o núcleo do grupo mais popular do colégio. Nós éramos tipo as cheerleaders rebeldes da escola. Logo no primeiro ano, ele me deu um apelido que pegou e me perseguiu até há pouco tempo, quando me descobriram na minha rápida permanência no Orkut: Tieta. Ele ainda completava, numa espécie de saudação quando eu chegava na aula: “Tieeeta, cabriiiita”. Tinha gente que nem sabia meu nome real, era só Tieta.
Tava gostando dessa coisa de ser gostosa. A maioria dos meus amigos era homem, só as meninas mais doidas e legais se aproximavam. Podia escolher qualquer carinha pra ficar, inclusive o mais gato. Esse, claro, era um tonto e descobri que tinha o pior beijo que experimentei até hoje.
Só que esse papel me gerou uma crise no fiml do colegial. Me baixou uma rebeldia juvenil feminista, e aí que resolvi prestar vestibular de jornalismo. Não fosse a nóia de que eu tinha que ser respeitada pela minha inteligência, e a idéia equivocada de que pra isso eu teria que ser jornalista, talvez continuasse cantando, seguindo os passos do meu pai. Talvez virasse artista.
***

Não me arrependi do jornalismo. Só que minha imagem de gostosa não cabia na tela do telejornal da Faculdade. Hipocrisia, sim, vai ver os telejornais. E apesar dos caras quererem me comer, o que era bom, tinha os muito imaturos pra tentar a sorte (eles não teriam chance mesmo). Foi então que fui nomeada numa eleição, (que o Sérgio poderia ter comandado lá na quinta série), pelos garotos da minha classe no último ano. Fizeram uma lista onde fui eleita a “Mais Perversa”. Eles justificaram escrevendo “ela vem pra aula com camiseta branca sem sutiã...”, “ela passa e me olha como se fosse me devorar...”.
Então as provocações no ginásio mais a segurança e as regalias de ser gostosa no colégio me formaram a mais perversa na faculdade. Tinha aprendido alguma coisa, afinal.

17.3.08

fly me


























We can all be free
Maybe not with words
Maybe not with a look
But with your mind


E você aparece e um frenesi que parece até. Não é a melhor coisa quando acontece de tudo desconcertar e nada mais? E um medo bom de falar algo totalmente estúpido. Tudo que eu quero é estar sentada no seu sofá incrível, bem perto. Só te ouvir falar qualquer coisa e sorrir e olhar incansável essa pinta acima dos lábios, teus cílios compridos que piscam feitiço. Eu só alisando tuas costelas, o peito, braços. Só pegar, olhar, ouvir. E sentir teu cheiro. Te disse, me dá uma coisa. Uma coisa assim que faz tudo inverter, o sangue correr ao contrário, o ar entrar e não sair e ficar tudo ali concentrado, variando as idéias. Nada do que sei funciona. É uma bagunça, uma zoeira. Me rendo sem medo de ser estúpida. Tropeço, piso no seu pé, rio de mim. Com você só me importa voar, sem medo de cair. E o resto que se dane.

13.3.08

pegar ou largar








Cuidado comigo. Posso te judiar, te decepcionar. Posso uma hora te amar e logo esquecer. Não confie em mim, não se iluda quando eu te escrever algo emocionante. Não amoleça se eu falar com voz de menina abandonada. Não acredite que eu tenho, afinal, um coração. Não que eu não ame, me apaixone, chore, sinta saudade. Não que não me sinta só e seja convencida por ingênuo desejo de ser diferente. Fato que é da minha natureza ser assim, como sou. Não que eu seja má. Coragem. Tome fôlego, prenda a respiração.