12.2.09

a eternidade e o desejo

"Devo-te muito, Emanuel. Devo-te acima de tudo a certeza de que nunca mais experimentarei a sensação de que devo alguma coisa a alguém. Tornaste-me outra vez mulher, e, pela primeira vez, livre. Amo-me muito melhor desde que te amo a ti - e é por isso que nunca deixarei de te amar, mesmo quando formos já só amigos. Só amigos, nunca mais seremos, tens razão: o prazer explosivo dos nossos dois corpos juntos iluminar-nos-á em definitivo, quando isso a que chamamos amor se tiver despedaçado contra a banalidade dos dias, que é sempre maior do que a pobre banalidade humana. Um dia, Emanuel, o meu estômago deixará de estremecer à aproximação do teu perfume, o meu coração deixará de palpitar ao escutar os teus passos, e a minha cabeça terá de imaginar histórias perversas para que meu corpo consiga molhar-se de desejo pelo teu. Nesse dia, espero que consigamos o feito da amizade. Espero que consigas gostar tanto de mim que transportes a lembrança do nosso encontro para o segredo da intimidade que depois de mim vais encontrar noutras mulheres. Pede-mes que me cale. Dizes que pensar no futuro arruína o encanto do presente. Dizes que tentar dizer tudo é estragar tudo.Tens razão, Emanuel. Mas tentar fixar o presente em imagens, como tu fazes, é também matá-lo depressa, e tu não dás por isso. Os teus filmes congelam a vida, tanto como minhas palavras. Eu não posso ver os teus filmes, e tu amas-me em silêncio. Assim duraremos."

>>Inês Pedrosa, A Eternidade e o Desejo