29.8.08

perigo





foto: Male

Um beijo nunca é só um beijo. Sexo, então, nem se fala. Sexo é compromisso. Não importa o grau, o gênero. Quanto mais sexo com alguém, mais esse grau vai aumentando. Mais e mais daquela pessoa vai fazendo parte de você, te modificando. Cada vez você enxerga mais dela, mais portas se abrem. Inevitável que você seja um pouco dela e ela de você. E ciúme. E medo. E confusão.

Você pode enfim ter se apaixonado. Ou está infectado, teu organismo viciado nas coisas que dela passam pra você, cada vez que o atrito abre seus poros e o sangue correndo rápido esquenta a alma e te desprende de você. Sexo nunca é só sexo. Te desarma, te dá poder, te entorpece, te apaixona.

Tenho sintomas de abstinência, minhas tripas se retorcem, meu sangue corre lento, a respiração é curta. Minha barriga gela e meu corpo desfalece, fraco. Mas o coração palpita, suplica pela sensação plena de receber, pelo olhar vidrado, a invasão, o cheiro, o tapa, a ebulição.

Passo os dias dormindo demais, tendo sonhos fragmentados, evocando lembranças que me fazem desejar o impossível e gozar chorando.

24.8.08

resgate




Me tira agora dessa pasmaceira. Vem me levar. Pode ser qualquer lugar, desde que não seja muito seco. Me desafoga, me alenta, me dá um espaço no teu travesseiro. Melhor, me deixa dormir no côncavo entre o ombro e o peito.

Só preciso me aconchegar, tuas mãos guardando minhas costas. Feche algumas portas, todas escancaradas, não quero que mais ninguém me veja agora. Vou ficar dengosa, ler gibi, fazer as unhas, ver filme besta. Vou ficar de camiseta e meias, comer um monte de batatinhas e ver merda na tv.

Vem rir da minha ignorância, me contar segredo, me ouvir reclamar. Você me enxerga, não vai me julgar.

Pega minha mão, me guarda, me zela. Toma posse de mim.

20.8.08

bossa nova




















Tem uma moça aqui. Calada e certinha. Ela quer as coisas no lugar, a casa limpa, a mente sóbria. Ela quer vestir seus novos sapatos azuis metálicos e caminhar no sol, cabelos dançantes.

A moça sente que, por mais que tudo mude, ela não deixa de ser moça. Chora ouvindo uma música incomum do Tom Jobim, deitada no chão da sala, fones no ouvido. Ela já não gosta de fumar, à noite não aguenta a fumaça lhe arde os olhos.

A crueza não lhe interessa. Ela não quer saber de fulano, que conhece fulaninha, que é super. Que tem isso? Quer viver um grande amor, gastar tempo mirando a lua, cheia, que bonita. O brilho a desfiar linhas que emaranham pra outras paragens.

O som alto atordoa, por que as pessoas falam tão alto? A moça quer tudo mais baixo, mais devagar, mais claro. Pra que assim ela encontre sonhos que a façam querer como antes, amplificar o bom, sorrir como moça.

9.8.08

malbec




conversa entrecortada pela fada safada. os lábios dele continuam mexendo mas só ouço o que elA diz. foi porque estava tão perto, de repente um cheiro, ele vibrando e chegando em mim. "tá vendo? tá acontecendo, teu coração com essa pontada aguda que nem choque, vento que bate e rebate até mostrar teus dentes todos em riso travesso, como se todos pudessem ver teus pensamentos".

perco algumas palavras, o vinho tem sabor intenso, todas as uvas e chuvas que nelas chiaram, o sol que esquentou seus cachos, estalo dourado na casca, carvalhos. ímpeto de te pegar a nuca, rir mais, perto, exalar meu hálito malbec, inspirar todo o ar que te rodeia.

a fada se despede, sem lamento, paciente. eu espero.