Tantas vezes essa tela azul. Ansiedade ao ver a ampulheta girar. Checar se tem mensagem. Despejar letras nessa caixa de texto como se todos os sentimentos fossem um líquido transparente enchendo uma jarra quebrada. Sonhos e choros e lamentos e explosões de amor. Desculpas, acusações e desmentidos e confissões e lapsos de doçura que podiam durar para sempre. Acendo a vela e penso: paz. O mundo desaba, flores murcham pela ação do tempo, minha água já verteu para encher o lago onde quase me afoguei. Mas, desafeto não tem. É amor. Labirinto onde me perco e me acho, me salvo e me dano. Todo mundo que conheço é um pouco louco. Uma dose dupla de insanidade. Com limão, por favor. Ah, não esquece do gelo. Loucura não existe. As pessoas existem. E são como são. Classificação: humano. Racional. Instintivo. Ser contraditório. Incompreensão. Queria saber mais de tudo. Coisas que não sei. O que eu mais quero é saber. É não saber de nada. Quero fazer muitas coisas. Fazer nada. Consciência. A gente tem isso. Ela sabe que você me ama. Para ela tudo faz sentido. Para ela está tudo bem, porque é isso o que realmente importa. Paz. O que é um absurdo? O dinheiro mover o mundo, a falta de emprego, a guerra, a traição, a violência? Tudo se justifica. Tudo tem por que. Os especialistas podem explicar, podem contar a história, como tudo começou e chegou até aqui. Eu também. Posso ir a um especialista rever toda a minha trajetória para entender como cheguei até aqui. Pólvora, fogo, puf! Simples. Eu queria ser mais simples, mas não teria tanta graça. Intensa. Isso já sei que sou. Último grau. Então vai, só mais um degrau para ver melhor. Mas, aí tem um abismo. A queda é longa. No trajeto vou pensando: que porra estou fazendo? O que vai acontecer quando chegar lá embaixo? Cansei de drama. Sempre fui fã de Almodóvar. Aquela intensidade toda. Todos sem máscara para o espectador. Mulholland Drive. Como, vendo de fora, fica normal perceber o quanto é complicado. O amor sempre ali, regendo tudo. Tudo lindo, tudo fodido. Não somos seres racionais. Somos amantes. E isso tem nada a ver com uma capacidade de raciocínio. E, sinceramente, não sei com o que tem a ver. Mesmo assim acendo a vela e penso: paz. Sinto o amor que se instalou em mim desde o dia que você deixou uma bala em forma de coração em cima do meu travesseiro. Desde quando gravou aquela fita. Desde quando achei meio chato o teu jeito metódico em Caraíva. Desde quando fiquei imaginando você acariciando outra mulher como se eu levasse uma facada. Penso: paz. Uma cena da Nouvelle Vague, não menos intensa, mas serena. Era isso o que eu queria.
este texto foi publicado originalmente no www.fakerfakir.biz, por Dina Flape